Love-hate for Austria

Na Áustria o Natal é mais rápido. Janta-se em 5 minutos porque as salsichas comem-se depressa e ninguém tira os olhos do prato. Num minuto trocam-se as prendas porque só há uma prenda para a cada um. E como também não trocam beijos não se perde tempo com isso. O ritmo de vida é tão acelerado que qualquer austríaca que engravide, expulsa o filho depois do primeiro semestre.
Na Áustria, os bebés não são irrequietos. Não se conseguem mexer com tanta roupa. Também não choram, sabem o quão desconfortável é ter a cair dos olhos estalactites.
Na Áustria, as pessoas levam multa se não atravessarem na passadeira e andam mais depressa porque devagar correm o risco de congelar. Também não sorriem na rua para não resfriarem as gengivas. Em casa, se se riem, o riso é prontamente auto-interrompido e justificam-se aos familiares ou amigos. Nos supermercados, as caixas parecem linhas de montagem de uma fábrica. Se demorarmos muito a guardar as compras, ficamos sem os dedos.
Na Áustria, os deficientes podem andar sozinhos em todo o lado porque há acessos fantásticos para eles sejam totalmente independentes. Se não fosse assim não sairiam de casa porque não teriam quem os ajudasse. Todas as passadeiras de peões foram pensadas também para os cegos. Existe um som que orienta o cego para atravessar a passadeira. Mas o som está lá quer passem carros quer a estrada esteja vazia. Talvez seja por isso que nunca vi um cego na rua. Já foram mortos pelo sistema.
Na Áustria praticamente não há desemprego nem sem-abrigo. Os que dormem nos bancos de jardim morrem de frio. E também não há pedintes por aqui. Como pedir é crime, são imediatamente levados pela polícia. Talvez seja por isso que ninguém pede desculpa ou com licença. Se algum estrangeiro está a impedir o caminho, o austríaco tenta ultrapassar o obstáculo em silêncio ou espera que o estrangeiro acabe de atar o sapato. Não falam qualquer palavra mas depois emitem um som de desagrado quando o caminho está finalmente livre. Na Áustria, antes de qualquer pergunta a um desconhecido eles avisam que vão faze-la. Dizem, Uma pergunta. E continuam. Ainda estou um dia para responder: Uma resposta. Ou se a pergunta me surpreender, digo, Uma exclamação.
Mas também, na Áustria não é de bom tom perguntar que gritos foram aqueles ou porque é que a filha do fulano nunca mais foi vista. Talvez seja por isso que na Áustria seja possível guardar-se filhos na cave durante anos sem que ninguém note.
Para os austríacos, um dia divertido é passá-lo em filas para fazer snowboard e depois em filas para comprar salsichas. Para eles, um com 2 graus positivos e 5 minutos de sol que não aquece ao meio-dia é um dia bonito. Se não fosse assim, não havia dias bonitos na Áustria. Mas o que falta em calor, existe em organização. Na Áustria todas as regras são cumpridas e quando um estrangeiro não as completa até o ser-se atropelado por uma bicicleta se torna possível. Quem quiser viver a experiência, basta que em vez de andar nas faixas reservadas para os peões, ande nas faixas para bicicleta. Por norma ouve-se uma campainha que avisa a aproximação do ciclista e depois, o embate. Eles não param porque estão dentro da lei.
Na Áustria, a qualidade de vida é sem dúvida superior e está a léguas de países como o Brasil. Até os ladrões são diferentes. Os ladrões brasileiros roubam porque têm fome, os austríacos roubam de barriga cheia. Ladrões? Mas o que estou para aqui a dizer! Não há roubos na Áustria, há objectos perdidos.
E já vos falei da mania deles de apresentarem a pergunta antes de a fazerem. Eles dizem, Eine Frage, e blá blá blá. Pois, então agora falo-vos da mania de dizerem Achso! e que não, não são eles a espirrar. Significa, Ahhhhh, já percebo. Ora, eles dizem isso muitas vezes porque é complicado para cada um dos austríacos perceber o que o outro está a dizer. Isto porque para além de ninguém saber ao certo falar alemão, eles colocam os verbos no fim da frase. E as frases podem ser do tamanho de umas dez linhas. Quando o austríaco diz o verbo de acção que revela finalmente o que é ele foi fazer, o outro austríaco não tem outra resposta senão um Achso! (santinho) Pois, agora percebo, seria o que vocês portugueses diriam no fim da minha conversa toda se eu vos dissesse, Eu à cave da nossa casa com o meu namorado uns quantos tomates e uma Coca-Cola ontem ao fim do dia já escuro muito depressa porque amigos em casa tínhamos buscar fomos. O Achso viria naturalmente, e até com um certo alívio. Ninguém prendeu ninguém na cave, a cave também não foi o lugar onde a magia acontece, e finalmente entenderam que só lá fomos buscar uns inocentes tomates e uma Coca-Cola. Ufa. Mas há um outro perigo. Quando finalmente eles sabem o que é que se fez na cave, há grandes probabilidades de já não se lembrarem quem é que lá foi. Não é por acaso que o psiquiatra Alois Alzheimer era alemão. E a minha frase é uma brincadeira de bebé, comparada com as deles.
Mas há outras coisas estranhas, por exemplo, aqui, a rapariga não é do sexo feminino ou sequer masculino. Simplesmente, não tem sexo. É neutra (das Mädchen). Mas a cenoura (die Karotte) tem já todo o direito a ser do sexo feminino. Penso que isso seja porque a cenoura é rica em betacaroteno, que é importante para a pele e para as mucosas. Outra coisa estranha é a ligação entre as mulheres e as raparigas sem sexo com a bicicleta. Para começar, todas têm uma bicicleta. Uma mulher aqui na Áustria sem bicicleta não é uma mulher. Quando eu não tinha bicicleta elas nem respondiam aos meus bons dias. E não era por serem xenófobas. E por bicicleta entenda-se a bicicleta com cadeado, cestinha, capa de selim, corrente, bomba de ar, capacete, cotoveleira, joelheira, e outras nhanhanheiras. Mas até aí tudo bem, o problema pelo menos para mim passa por andarem de bicicleta com mini-mini-mini-mini-saias, com a perna para cima, perna para baixo, perna para cima, para baixo, calcinha com renda, perna para cima, perna para baixo, cuecas da avó, para cima, para baixo, cima, baixo. Conto umas cinco calcinhas por dia, isto porque a maior parte delas usa. Mas há coisas piores. O Danúbio, o Danúbio Azul que deu o nome à valsa do Strauss, e inspirou tantos outros poetas, fá-los-ia regurgitar os últimos jantares em vida. Nos seus bons tempos, ao longo dos 110 km, da nascente ao poente, o rio recebia mais de vinte pequenos mas cheios afluentes. Hoje são fios de água e condutores de esgoto e outros detritos. Até os pobres batráquios desapareceram. Quando o Strauss passeava pelas margens do Danúbio em câmara lenta, porque na altura era tudo mais devagar, era comum passar-se por famílias inteiras em piqueniques e ver-se os putos a aprender a nadar nas águas então cristalinas. Agora ainda se vêem muitas pessoas, mas a apanhar sol na relva e uns poucos malucos como eu dentro do rio lamacento. Mas ou vou lá para dentro envenenar-me ou a opção é esticar-me na relva a apanhar um sol enevoado ao lado de pessoas que não conhecem o hábito de usar um biquini ou calções de banho. Meus amigos, bitte, Enfiem-me num avião de volta para Lisboa, ou metam-me numa cave!

*Nota: Este texto é tipo uma caricatura. Não há qualquer má intenção e há muito exagero.