Lisboa branca

O meu telemóvel encheu-se de mensagens: Neve em Lisboa, vai à janela. Está a nevar, está a nevar. Neve em Lisboa. Lindo. Lindo. Tenho um programa óptimo para hoje. Queres vir construir um boneco de neve comigo? Está a nevar Sofia...
A neve caiu em Lisboa. Eu peguei no carro e fui até à casa da minha avó para ver, com ela, a neve cair. Disse-lhe: Desde que vi nevar pela primeira vez, que to quis mostrar. Como nunca quiseste vir comigo a um país que nevasse, trouxe a neve até ti. – Ela sorriu. Voltei para casa, e no caminho, todas as pessoas que passavam por mim, pela primeira vez, corresponderam-me com o sorriso que geralmente distribuo. Hoje, em Lisboa, a neve não foi só um fenómeno que consiste na queda de flocos de neve. E cada floco de neve não foi só uma precipitação de uma forma cristalina de água congelada. Foi um motivo de união. De partilha entre desconhecidos. De pessoas aparentemente indiferentes a tudo. A neve hoje aqueceu-nos. Branca. Pura. Limpou-nos. A neve hoje para mim foi isto. E parece que foi para quem mora no meu prédio. E para quem não mora no meu prédio. A neve circunscreveu-se na própria simbologia do branco, que sendo o somatório de todas as cores, traz em si todas as possibilidades de cor. Trouxe todas as possibilidades de bondade e de bons sentimentos nas pessoas.
A neve caiu em Lisboa. E levantou o sentimento de compaixão pelos que vivem nas ruas. Quando entrei no meu prédio, vinda da casa da minha avó, um senhor de barbas compridas e sujas, abriu-me a porta. Agradeci-lhe e subi. O meu pai abriu-me a porta. Não tinha barbas compridas nem sujas. Fui até à cozinha e aqueci a sopa de cozido à portuguesa. Peguei num casaco que ninguém usa e desci. E o senhor de barbas compridas deixou escapar de si uma gota de água, e disse-me: Ainda há pouco passou por mim um senhor, também deste prédio, que me deu este gorro, estas luvas, e este casaco. A sopa aqueceu-me tanto a mim, quanto a ele. E a neve em Lisboa, hoje foi branca.